Filme Terra dos Sonhos

Terra dos sonhos é daqueles filmes que arranca suspiros e traz à tona muitas sensações e emoções. A fotografia é um show à parte e faz jus aos cenários fantásticos e inusitados que os sonhos costumam oferecer. A história traz mensagens muito bonitas e profundas sobre persistência, coragem, fé e conexão. Os atores são outro show à parte… Não dá para não se apaixonar… E, além de tudo isso, é um prato cheio para a psicologia analítica.

A potência do inconsciente

O filme mostra o poder do mundo inconsciente, retratado pelos sonhos e fantasias, e sua grande importância para o mundo desperto. As imagens oníricas podem parecer aleatórias, confusas e sem sentido e, por isso, costumam ser negligenciadas e subestimadas por muitos, mas a verdade é que eles sempre falam sobre nós e não são meras produções do acaso. “Tudo na Terra dos Sonhos acontece por um motivo”, não temos o sonho que queremos, mas sim o que precisamos.

Sonhos são mensagens do inconsciente e não devemos ignorá-los. É verdade, no entanto, que não é fácil compreender racionalmente as mensagens dos sonhos, pois eles se comunicam através de uma linguagem própria do inconsciente. Sua linguagem é simbólica e metafórica, longe da linguagem literal que costuma ser usada na vida consciente.

O inconsciente é como a Terra dos Sonhos, é preciso respeitar, saber entrar e mergulhar, mas também saber sair em segurança e despertar. Há um poder incrível de sedução e essa força pode ser tanto perigosa, quanto transformadora.

A importância do farol

O inconsciente faz parte de nós, assim como o ego e a consciência. Porém, em uma sociedade de intensa valorização do racional, o irracional é frequentemente deixado de lado, esquecido e até rejeitado. O inconsciente pode ser comparado a um vasto mar, enquanto o ego e a consciência podem ser comparados à construção firme diante da imensidão do mar, o farol.

O filme deixa claro a importância do farol e a honrosa missão de cuidar bem desta estrutura. Ele é o ponto de referência que ilumina e guia o caminho dos navegantes nas águas escuras e turbulentas do oceano. Da mesma forma, o ego e a consciência guardam papeis de suma importância em nossas expedições inconscientes. Uma vida apenas em terra firme pode ser extremamente limitada, árida e frágil, mas uma vida apenas em águas instáveis pode ser extremamente fantasiosa, fugaz e igualmente frágil. É preciso saber navegar e ancorar.

Interação entre consciente e inconsciente

Essa relação entre o mundo dos sonhos e o mundo desperto é necessária e o filme demonstra muito bem isso.  Um não vive sem o outro. Somos ambos os mundos. Vivemos entre terra firme e mar balançado, entre mundo desperto e mundo de sonhos, entre vida concreta e vida imaginal, somos farol e mar aberto, somos consciência e também inconsciente. Somos tudo isso e transitamos entre estes mundos. Não podemos perder uma das partes de vista. Quando essa relação deixa de acontecer, a vida parece se esvaziar.

A relação entre Flip e Philip demonstra as consequências da perda de contato entre esses mundos. Após a grande frustração de ver o irmão partir, Flip e Philip se perderam um do outro. Enquanto Flip ficou preso no mundo interior dos sonhos, Philip ficou preso no mundo exterior concreto. Houve um rompimento de conexão e cada um foi para um lado até o ponto de passarem a se esquecer de quem eram. Flip era pura fantasia e fugia da vida desperta e Philip não conseguia mais entrar em contato com o mundo dos sonhos, fugia do mundo inconsciente e nem conseguia mais entrar em contato com seus sentimentos e emoções. Enquanto um era só alma, o outro era só persona, houve uma profunda separação e desconexão, cada qual vivendo um mundo pela metade, uma vida parcial. Flip e Philip precisavam voltar a entrar em contato um com o outro e voltar a ser um só, transitando entre mundos e vivendo ambos os mundos.

A dinâmica da energia psíquica

Após a perda dolorosa e traumática do pai, Nemo (a escolha do nome certamente não foi casual) passa a fugir da vida desperta e busca passar todo o tempo possível dormindo para viver a vida dos sonhos. Aqui vemos um claro movimento do que Jung chamava de regressão psíquica, ou seja, um represamento da energia psíquica no mundo interior. Segundo Jung, nesse momento, “é de se esperar que o inconsciente adquira uma maior influência sobre a consciência.

Isso é muito comum após eventos traumáticos ou mesmo após momentos em que a vida parece esbarrar em obstáculos e percebemos que os mesmos padrões conscientes já não são mais eficazes como antes. Assim, o movimento de progressão da energia psíquica estanca e o investimento de energia psíquica passa a mudar de direção. O investimento e adaptação ao mundo exterior é substituído pelo investimento e adaptação ao mundo interior, em busca de novas atualizações, a partir da vida criativa inconsciente. A regressão é um processo que faz parte do desenvolvimento e é tão importante quanto a progressão. Constitui uma parada necessária em busca de uma alimentação inconsciente, a partir da qual novos valores podem emergir e se manifestar na vida consciente. Isso nos dá capacidade de voltar ao movimento de progressão psíquica com uma nova atitude consciente. Uma adaptação bem-sucedida envolve não só adaptação ao mundo exterior, mas também ao mundo interior, o que reforça a importância e valor de ambos os mundos.

Vida em movimento

Assim é a vida. Não se vive só de progressão psíquica, assim como não se vive apenas de regressão psíquica. Não se vive só de estruturas conscientes, assim como não se vive só de vivências inconscientes. A vida inconsciente alimenta a vida desperta com vida criativa, novas possibilidades e forças complementares. Mas a vida desperta precisa ser capaz de concretizar e dar bases firmes para que essa rica relação de troca com o inconsciente possa ser saudável e frutífera, manifestando-se na vida consciente.

Vale a pena conferir e se emocionar com essa delícia de filme! Vê e depois vem me contar aqui o que achou 😊. Vou adorar saber!

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