Postado por

29
jul
2019

Depois de desenhar objetos e natureza morta, eis que é chegada a hora de aprender a complexidade humana… No desenho!

Eu, que sempre gostei da natureza humana e suas complexidades, confesso ter tido um pouco de receio de entrar neste tópico na aula de desenho. Quando se falava em desenhar anatomia humana, logo pensava: “muito complexo… não vou conseguir”. Logo eu fugindo das complexidades… rsrsrs.

Se observar bem, os processos artísticos fazem surgir todos os padrões negativos que surgem em qualquer processo da vida.

Resistência

Tenho um padrão recorrente na vida que é resistir. Tenho atração por novidades, conquistas e desafios, mas só enquanto tudo isso se passa no plano da abstração – dos pensamentos, da imaginação e fantasia – porque na hora de viver mesmo, de agir e concretizar eu, literalmente, corro – rsrsrs. Pelo menos é minha 1ª reação quando algo está para se concretizar. Pura resistência…

Nunca me esqueço de uma cena clássica da minha adolescência, aos 13 anos, quando o Brasil foi tetracampeão e a seleção fez desfile público. Eu e minha amiga éramos apaixonadas pelo Leonardo e fomos assistir ao desfile para vê-lo. Fizemos cartazes, nos vestimos e nos pintamos de verde e amarelo e nos colocamos a postos. Eu estava super ansiosa. Mas, de repente, ao primeiro sinal de que estavam chegando, eu puxei minha amiga querendo ir embora. Foi muito esquisito… A emoção era tanta que eu queria fugir na hora “H”. Mas era alarme falso (era só o caminhão de lixo passando, que enganou a todos), então pude me dar conta da reação totalmente desconectada e não repetir.

Não é diferente no desenho. Por mais que eu esteja doida para aprender o máximo de coisas possível, a resistência em sair da zona de conforto e colocar em prática aparece.

A saída é não pensar muito. Notou que está pensando demais? Então é sinal de que é preciso parar de pensar e partir para a ação imediatamente. Para quebrar a inércia é necessário calar a mente e simplesmente fazer. Ficar no jogo da  mente é fácil e atraente, enquanto iniciar uma ação na maioria das vezes é custoso.

Insegurança

Outro fator que percebo surgir é a insegurança e a sensação, em algum momento do processo, de que não serei capaz de fazer aquilo que é pedido. Geralmente isso acontece antes mesmo de começar a atividade, simplesmente porque o plano da imaginação sempre exerce um poder absurdo de exagerar tudo aquilo que passa pelo seu campo – as imaginações positivas viram belas idealizações inatingíveis e as negativas viram monstros indomáveis. Então, ou a sensação é de que o que eu fizer será um horror ou de que não conseguirei atingir o ideal que crio na minha cabeça, um medo de frustrar essa expectativa idealizada. Mas essa a insegurança surge também durante o processo, em suas instabilidades, quando erramos e apagamos, erramos e apagamos de novo e o traço não sai do jeito que desejamos.

Essa insegurança, no final das contas, anda muito próxima do controle e da frustração diante da expectativa de um ideal de perfeição.

O melhor remédio? Não paralisar e se manter em ação, deixar fluir do jeito que for e que der, aceitando e abraçando as vulnerabilidades do processo.

Ansiedade x paciência

É muito tentador se desconectar do momento presente e se impacientar querendo adiantar o resultado final. A ansiedade nos apressa e nos faz “queimar etapas”. A dedicação e o esmero de cada traço se perdem e a atenção sai da ação e vai para o resultado. Desenhar é um processo, assim como cada experiência da vida. Abreviar esse processo na ânsia de concluí-lo em busca de um produto final é uma das piores coisas que podemos fazer, porque assim não curtimos o seu desenrolar e provavelmente deixaremos para trás muitas oportunidades de crescimento e amadurecimento. A transformação não é sentida, não é acompanhada e muito menos maturada. A maior e mais importante parte de qualquer história está no seu desenvolvimento e não na introdução e conclusão.

Qualquer ansiedade nos convida a desenvolver a grande virtude da paciência. Muitos desenhos demoram várias aulas para serem concluídos. Cada desenho exige camadas e camadas de estruturação e aperfeiçoamento. E, se pararmos para pensar, em última análise, um desenho nunca está definitivamente e totalmente pronto. Sempre cabe algum aperfeiçoamento, algum toque, dependendo do ponto de vista e do nível de amadurecimento técnico. Assim como na vida, não há um ponto definido a se chegar. Sempre teremos algo a aprender e a aperfeiçoar e encurtar os processos para obter mais rápido um resultado é o mesmo que abreviar a vida, ignorar o que se pode fazer hoje em função de um ponto de chegada que não existe.

Auto crítica excessiva x falta de confiança e auto estima

Acho que não há nada mais sabotador do que auto exigência e autocrítica excessivos. Não basta fazer, tem que ser bom, tem que ser ótimo, tem que ser perfeito. E, eu garanto, nunca vai estar bom.

Posso estar enganada, mas percebo que esse nível de autocobrança/autocrítica excessivos no fundo são uma grande defesa do ego. Sim, são defesas do ego disfarçadas de dedicação e empenho e até mesmo de humildade. Empenhar-se no auto aprimoramento é importante, assim como ter consciência de que ainda tem muito o que melhorar, mas se criticar e se cobrar em excesso é outra coisa, e bem diferente. Muitas vezes nos adiantamos ao nos cobrar e acusar nossas próprias falhas para nos prevenir, antes que alguém o faça. Isso vem de um lugar de dificuldade em lidar com frustrações e toca em um ponto muito sutil de rejeição. Quando somos submetidos a uma avaliação, por menor que seja, ficamos em uma posição vulnerável e muitas vezes desconfortável. Muitas vezes a saída (inconsciente) é nós mesmos assumirmos o papel de carrasco que tanto tememos no outro e, assim, tecer duras críticas a nós mesmos antes que o outro o faça.

Na verdade, isso é sinal de um problema maior, de baixa auto-estima e falta de confiança, uma eterna sensação de deixar a desejar e não ser capaz ou bom o suficiente. Isso provoca a busca de uma imagem de perfeição, como se fosse necessário atingir esse modelo para ser amado e aceito. Mas, como era fácil prever, a busca da perfeição gera um alto nível de autocobrança e mais frustração e auto rejeição. É um ciclo vicioso. Essa cobrança e rejeição é nossa, em primeiro lugar, mas a projetamos no outro. Dessa forma, sempre vemos o outro como carrascos julgadores quando somos nós mesmos os primeiros a fazer isso. Assim, para nos pouparmos de mais rejeição, nos antecipamos à rejeição alheia e nós próprios cumprimos esse papel quando submetidos a avaliação externa. Isso não passa de uma imensa insegurança interna, que se faz presente independentemente do nível de expertise. Insegurança de errar, de não saber, de fracassar, necessidade de corresponder às expectativas internas (geralmente muito altas) e, principalmente, externas, sensação de não ser bom o suficiente, de não ser capaz,fazendo depender de uma voz externa a guiar todos os passos como se só pudéssemos caminhar se estivermos amparados por alguém.

Ter consciência da rispidez que se tem consigo mesmo é o primeiro passo para mudar. Exercitar tolerância e  gentileza consigo mesmo e, principalmente, a verdadeira humildade são essenciais nesse caminho. A verdadeira humildade não coloca ideais inatingíveis e jamais gera punição ou cobrança por não atingi-los. Pelo contrário, ela é compassiva e generosa.

Desenhando meu mundo interior

Fico feliz de encontrar até na sala de aula do curso de desenho espaço para me observar, me perceber e ter consciência de tudo aquilo que preciso trabalhar internamente e elaborar. Na verdade, todo momento é uma oportunidade de se olhar e se transformar, a arte pode ser uma ferramenta para intensificar e acelerar esse autodesenvolvimento.

E preciso dizer que também tenho a sorte de ter um professor de desenho “meio” psicólogo, sensível a toda forma de resistência, ansiedade, insegurança e demais bloqueios emocionais que se apresentam, sendo amoroso e acolhendo as angústias que surgem e incisivo quando necessário.

E assim, meu mundo interior vai se desenhando, traço após traço, cada vez mais pleno, sem pressa, na certeza de que sempre caberá aprendizado e aperfeiçoamento.

1º treino de expressões faciais

2º treino de expressões faciais

Esse rosto fiz fora da aula, em casa

1º rosto de observação que fiz

Rosto de perfil

 

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