Postado por

24
dez
2023

O risco de uma visão estéril

O Natal pode ser vivido de muitas formas.

Pode ser apenas mais uma data comercial para se reunir, festejar e trocar presentes e, portanto, uma vivência externa e superficial, esvaziada de sentido e significado. Mas, pode ser também uma data de celebração da vida e de conexão interior, prenhe de sentido e significado. Mas, afinal, o que é Natal para você?

Depois que a gente cresce e descobre que o Papai Noel não existe, e aquela mágica ilusão é desfeita, uma face do Natal morre e dá lugar a outra. Qual? Cada um tem uma relação própria e singular com este evento e, como toda relação, ela pode mudar com o tempo.

Principalmente por vivermos em um mundo capitalista, que valoriza o material e as aparências, o risco do Natal se tornar uma data estéril, protocolar e puramente comercial é enorme. A gente vê por aí correria louca na busca de presentes para a família, familiares e afins…Correria louca para comprar a roupa de Natal, afinal, vai estar todo mundo na festa… Correria louca para comprar uma infinidade de comida e bebida, afinal, precisa ter fartura…

Em algum momento já vivi isso de dentro. Por um tempo, quando eu já não acreditava mais em Papai Noel, o Natal era “o” evento e, quem sabe, o único momento do ano em que os familiares todos se reuniam. Era uma coisa mega porque além da família já ser grande, ainda tinham outros convidados (eu não conhecia nem metade). A parte que eu gostava era a de rever familiares que eu não via há muito tempo e de estar com os primos, mas era cansativo.

Depois de um tempo o Natal ficou mais intimista e restrito apenas à família nuclear e um ou outro familiar. No aconchego de casa, com comida gostosa de mãe, mas sem exageros. E, depois que eu comecei a trabalhar e “ganhar meu dinheirinho”, eu achava o máximo ir às compras em busca de presente para cada um.

Natal (sem) presente

Com o tempo, porém, passei a questionar a troca de presentes. Eu comecei a observar atentamente este comportamento em mim e em todos ao meu redor, conhecidos ou não. Eu era do time que não queria dar alguma coisa “por dar”, eu realmente tinha a intenção de dar algo que fosse “a cara da pessoa”, mas nem sempre eu tinha tempo para achar. Isso me gerava uma certa ansiedade, expectativa e frustração quando não achava nada e o tempo estava acabando. Por outro lado, eu percebia muitas pessoas que pareciam comprar “no atacado” (escolhe uma loja e lá compra tudo pra todo mundo, sem pensar muito nos gostos individuais).

Eu sempre detestei dar qualquer coisa só por dar, só porque é Natal ou só porque é dia disso ou daquilo. As reflexões, então, começaram a borbulhar… Até que ponto vale a pena dar e receber presente em função de uma data? Qual o sentido disso? Qual o sentido do Natal? Até que ponto somos movidos apenas pela força do hábito ou de um mandamento social? Isso tudo está a serviço de quê? De algo maior ou de um materialismo vazio?

Bom, já podem imaginar que a conclusão que cheguei era de que talvez não fizesse mesmo sentido essa coisa do foco no presente material. Fiz a proposta para minha família: que tal se tirássemos o foco do presente e o colocássemos na presença? Sem correria e estresse para comprar presente, sem expectativa para abrir presente, sem excitação ou frustração acerca de presente. Apenas presença… O melhor e maior presente de uma data como essa. A proposta foi aceita e segue assim até hoje (exceto para as crianças, claro).

O olhar simbólico que vivifica

Se a gente parar para pensar no significado do Natal, veremos o quanto essa data é rica em simbolismos. Não se trata apenas da comemoração de uma data cristã histórica, pois, a meu ver, comemorar o nascimento do menino Jesus é celebrar o Jesus que vive dentro, representando um potencial divino existente em cada um de nós.

Jesus foi alguém que ousou seguir seu próprio caminho e ser ele mesmo, um ícone da trilha da individuação e, portanto, um modelo a seguir, ou melhor, a nos inspirar na busca de nossos próprios caminhos. Se refletirmos sobre as imagens que estampam o Natal nos deparamos com um universo de símbolos que reforçam e complementam essa ideia.

Símbolo é um conteúdo que ultrapassa o significado visível e aparente, carregando em si significados ocultos. Assim, é um conteúdo do campo consciente que penetra também no campo inconsciente, podendo, assim, apresentar uma infinidade de significados. Por essa razão o símbolo é dinâmico e vivo, podendo mostrar diversas faces para além das aparentes e óbvias.

Os símbolos natalinos

A árvore, um dos símbolos mais presentes, remete à vida e representa uma verticalidade apontando para uma evolução em ascensão para o céu. A árvore guarda em si a comunicação entre os três níveis do cosmo: o subterrâneo, através de suas raízes que alcançam as profundezas da terra; a superfície da terra, através de seu tronco e galhos inferiores; as alturas, através dos galhos superiores e cume. Além disso, ela reúne todos os elementos, terra, água, ar e fogo (através do atrito da madeira).

As renas e/ou cervos, que aparecem puxando o trenó do Papai Noel, tem um simbolismo que se aproxima ao da árvore. Além de seus chifres remeterem à árvore da vida, esses animais simbolizam fecundidade, ritmos de crescimento e renascimentos, representando uma “imagem arcaica da renovação cíclica” (Chevalier). Eles são, ainda, associados à velocidade e anunciação da luz e também fazem a comunicação entre mundos, remetendo à função de psicopompo. Na psicologia junguiana, esta é a função de guia e mediação entre a consciência e o inconsciente, um guia da alma.

Os sinos, por sua vez, reforçam a ideia de comunicação entre mundos. Eles simbolizas a capacidade de anunciar o novo, de unir o céu e a terra e alcançar o mundo subterrâneo através do poder de penetração de seu som. O som também remete à vibração do som primordial e pode também simbolizar purificação.

Já a vela, pode representar o sopro da vida, a luz pessoal, a chama interior, da alma. Ela traz, assim como a árvore, uma noção de verticalidade, podendo representar a ascendência da vida. A vela acesa pode representar, também, a individuação. Este é outro conceito junguiano, usado para designar o processo de tornar-se si mesmo, diferenciando-se dos outros e do coletivo. Porém, ao mesmo tempo que essa diferenciação do outro ocorre e a personalidade individual se desenvolve, a capacidade de se relacionar se potencializa e torna-se mais genuína e verdadeira.

A estrela, que figura no topo da árvore natalina e no céu estrelado das imagens da noite de Natal, também representa fonte de luz, remetendo a figura divina e sagrada. As estrelas evocam os mistérios do sono e da noite e representam guias e orientações do espaço celeste (tendo guiado por muito tempo navegantes de embarcações em alto mar). Dessa forma, aproxima-se dos demais símbolos de comunicação entre mundos e de mensageiros da luz.

As formas circulares e as cores vermelho, verde e dourado, tão predominantes no Natal, também não figuram nessa data por acaso. As bolas que enfeitam a árvore de Natal e as guirlandas, com suas formas circulares remetem a unidade, a totalidade e aos movimentos cíclicos. O vermelho pode representar sangue, vida, fertilidade e sacrifício e, ainda, a última fase alquímica na qual ocorre a união entre os opostos, a rubedo. O verde também remete à vida e à natureza, enquanto o dourado remete a abundância e prosperidade.

A magia da experiência interior do Natal

Estes são apenas alguns dos símbolos mais recorrentes e já dá para entender que essa data nos convida para uma conexão interior, para a união com a chama interior divina que habita em nós. É uma celebração da vida, do amor, do novo que nasce e renasce, como uma fagulha de luz dentro de nós.

É uma data que nos convida a fazer essa comunicação entre vida externa e interna, vida consciente e inconsciente, rumo a um caminho inclusivo, de integridade e totalidade. Este é o caminho mais abundante e próspero que podemos trilhar, um caminho conectado com nossa verdade interior, que se abre ao novo e ao todo. Sempre é tempo de fazer nascer e brilhar a nossa estrela.

Assim, que estejamos presentes nesta data celebrando o presente que é estar em união e conexão, seja com quem amamos fora ou seja com que somos e amamos dentro.

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