Postado por

12
jan
2021

Afastamentos e mudanças

Recentemente tive uma grata surpresa ao visitar minha mãe. Ela me mostrou a pasta que havia guardado com alguns dos meus trabalhos de artes da escola e algumas avaliações escolares de quando eu era criança. Como foi gostoso rever…

Eu não lembro de muita coisa – na verdade de quase nada – da minha infância, então foi muito bom conhecer de novo aquela garotinha que fui um dia… É claro que o que estava escrito ali era apenas um recorte, uma pequena parte, de quem eu era, e pelo olhar específico de professora e auxiliar. Mas, mesmo assim, foi uma experiência encantadora ler cada trecho que falava sobre mim. 

“Desenvolveu-se muito bem nesse semestre. Está mais desinibida e falante. Sabe defender-se sem ser agressiva, porém não deixa que a comandem como boneca. Sua capacidade de concentração melhorou. Gosta de ouvir histórias e de pinta-se. É vaidosa. Seu grafismo está na fase de figuras isoladas iniciando a cena.”

“Prefere desenho e colagem” (interesses)

“Prefere brincar com as meninas, de dança e dramatização” (preferência ao brincar)

Foi incrível ver como muitas coisas já eram esperadas em virtude da minha personalidade, mas algumas coisas surpreenderam. Essas surpresas diziam respeito a características que só hoje venho descobrindo e assumindo, mas que no passado remoto eu já apresentava, como, por exemplo, gostar de dramatizações. Outros pontos surpreenderam por apresentar facilidade em situações que hoje enfrento bastante dificuldade, como, por exemplo, ser participativa em grupos. Hoje me vejo com imensa dificuldade de participação de forma confortável em grupos, principalmente os maiores. Funciono bem com parceria, mas quanto mais gente, menos me sinto à vontade e mais eu me recolho. Algo que parecia ser natural quando eu era criança (embora definitivamente não lembre desses detalhes, pelo contrário).

De qualquer forma, muitas vezes criamos barreiras em relação a determinadas situações porque passamos a acreditar em tanta coisa errada a respeito de nós, que nos retraímos e passamos a evitar e fugir de certas situações. É muito comum que experiências e discursos externos acabem reforçando medos e crenças internas totalmente incapacitantes. E é assim que vamos nos rotulando, nos limitando e, cada vez mais, nos distanciando de quem somos na verdade.

Foi uma sensação parecida ao rever meus trabalhos de artes. Primeiramente, fiquei muito comovida ao ter essa oportunidade de voltar ao tempo e fazer um mergulho nostálgico em uma atividade extremamente prazerosa para mim – sol e lua em câncer né, bem… rs. Foi realmente como se eu tivesse voltado ao tempo e revivido algumas sensações. Como aquilo me entretinha… Como eu me dedicava àquilo… Quanto capricho! Até a pastinha dos trabalhos era toda decorada! E eu pensei: nossa, como eu gostava de artes!” Sim, afinal, era a minha aula preferida! Mas ía além das aulas de artes… Eu fazia meus adesivos, decorava agendas, decorava cartinhas, personalizava tudo! Fazia poesia para o amor platônico, escrevia letras de músicas e declarações que nunca foram lidas…

Inevitavelmente, não pude evitar de me questionar: por que é que nos afastamos tanto daquilo que gostamos? Muito provavelmente todos já passaram por isso. E é claro que a gente inventa e arranja rápido 1.001 desculpas para servir de justificativa, mas elas não justificam de verdade. Parece tão fácil resistir a coisas que sabemos que fazem bem para a gente… Parece até que às  vezes o mundo conspira para testar  a nossa resistência… Sei lá

O caminho de volta (retorno necessário)

Mas, felizmente, estou “voltando pra casa”. A arte foi um renascimento em minha vida que me fez nascer de novo. Primeiro veio de volta a vontade – e necessidade – de escrever, de dar vazão, em palavras, a tudo o que eu vivia, sentia e pensava. E, pouco a pouco, palavras reflexivas foram dando lugar a inspirações que vinham em forma de poesia.

Cada vez mais meu olhar passava a ter capacidade de enxergar encanto e poesia onde menos se esperava. Até que palavras passaram a não ser mais suficientes por si só. Imagens passaram a me tomar de assalto em cada inspiração. Às vezes eram cenários inteiros, às vezes era apenas uma figura… Eu não tive saída. Precisava expressar aquelas imagens, tirar daqui de dentro, colocar para fora, dar forma.

Foi aí que eu pensei em fazer aula de desenho para talvez, quem sabe, conseguir traduzir um pouco de tudo aquilo que se passava na minha imaginação. E por incrível que pareça algo me deixava envergonhada e quase me sabotou e me levou para longe novamente. O diabinho pensava: “nossa, mas aprender a desenhar agora?!?!?!”. E o anjinho argumentava: “e por que não?”. Sorte que o duelo não durou muito. Eu já estava cansada de dar ouvidos demais ao diabinho! E fui!!! 

Sou extremamente grata por ter me conectado ao que meu coração pedia para fazer, mesmo quando minha cabeça zombava de minha ousadia. Foram algumas das melhores coisas que fiz. Entrar para o curso de desenho e me rebelar contra essa voz zombeteira. É um caminho sem volta, rumo à liberdade, guiado pela voz do coração. Hoje me sinto não só mais conectada comigo, mas também com o universo. Além da escrita, pude conhecer através do desenho e da pintura  um caminho terapêutico extraordinário, que proporciona autoconhecimento, conexão, transformação e expansão. E tudo isso eu vivi na prática, não na teoria.

Hoje eu não estou mais fazendo curso (fiz durante 2 anos e 3 meses), mas a única certeza que tenho é que da arte não me separo mais. Já tivemos longos desencontros e ausências prolongadas que trouxeram sofrimentos silenciosos. Não ouso mais não estar em sua companhia. Eu não estudei, não aprofundei, não tenho técnica e não vivo da arte. Mas, ela faz parte da minha vida. Nosso encontro é antigo e  informal, sem compromisso, mas nem por isso sem comprometimento. 

A arte é para todos. A arte é um potencial, um vir a ser. É expressão do que se é. É movimento. Criação. Vazão. Rio que corre pro oceano. É fluxo. Cura. É o que é.

Observação:

O título foi emprestado de uma frase que uma amiga viu e achou a minha cara (com razão), mas não sei quem é o autor dessa preciosidade.

Alguns de meus desenhos:

 

confira também

Posts relacionados

Deixe seu comentário