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04
ago
2019

        Em 2006 comecei a sentir necessidade de me preencher de alguma forma, mas não sabia como. Alguma coisa me chamava e eu não sabia o que era. Acho que estava em busca de mais sentido, de mais conexão… E, então -nem lembro muito bem como- pensei em conhecer melhor a filosofia budista, mas não queria fazer isso por conta própria, apenas lendo e conhecendo a teoria, eu queria experimentar, praticar, mergulhar e precisava de estímulo e de uma certa condução para isso. Foi assim que pesquisei na internet e descobri que havia um grupo de prática perto de onde eu morava. Fiquei muito entusiasmada e compartilhei com uma grande amiga que também quis conhecer o lugar.

Estávamos com a mente aguçada, cheia de curiosidade e um frio na barriga quando fizemos a visita. Imaginávamos que seria algo diferente, mas não tínhamos ideia de como funcionavam as reuniões. Chegando lá fomos muito bem acolhidos pelos responsáveis. Tratava-se de um grupo de meditação budista e estudo de textos do mestre Zen Vietnamita Thich Nhat Hanh que realizava encontros semanais de 1:30 de duração. As reuniões eram sempre iniciadas com um ritual de breve leitura conjunta de alguns dos principais ensinamentos budistas, seguido de práticas meditativas e estudo teórico. A parte prática geralmente era composta por 20 minutos de meditação sentada, seguida de meditação caminhando e encerrada com a meditação sentada novamente. Logo após, vinha a prática teórica com a leitura de um texto do mestre (cada um lia um parágrafo), seguida de breve instante de silêncio para absorver o conteúdo, e discussão sobre os ensinamentos e experiência de cada um acerca deles.

Apesar de ter adorado, confesso que não foi nada fácil esse primeiro contato. E, para falar a verdade, alguns momentos foram desesperadores…! Rsrsrs. Não somos acostumados a ficar parados, voltados para a parede, de olhos fechados ou semi cerrados, em total silêncio, nem por 1 minuto… Imagina 20 minutos seguidos?! Mas essa parte, para mim, nem foi a tão difícil. O que foi difícil mesmo foi a meditação caminhando. Imagina só uma pessoa que, apesar das pernas curtas, só anda praticamente correndo, ter que desacelerar tanto a ponto de dar “passos de formiga”?! Isso pra mim foi desesperador. Quando me vi em fila, tendo que contornar a sala acompanhando o ritmo do grupo, sem poder ultrapassar ninguém, caminhando “quase parando” fiquei muito atordoada, me senti esquisita, queria andar mais rápido e não podia. Meu corpo simplesmente não sabia fazer aquilo, eu não sabia como me comportar e o desconforto tomou conta de mim. Olhei as pessoas ao redor para saber como fazer e, no meio do desespero, fitei meus olhos na minha amiga em busca de um consolo e não pude conter meu riso. Sim, caí na gargalhada no meio da meditação! O riso era de nervoso. Tenho esse problema constrangedor de rir quando não pode e o pior é que depois que eu começo é difícil parar. Eu me vi querendo correr e “atropelar as pessoas” em uma meditação caminhando e caindo na gargalhada quando menos podia, de tanto que me senti atrapalhada e constrangida. A sorte era que o grupo era maduro e abstraiu a cena patética, cada um continuou sua meditação voltado para dentro de si ou talvez nem tenham notado o que aconteceu de tão concentrados em suas práticas.

Definitivamente, nossa cultura não nos ensina a relaxar, a desacelerar e, muito menos, a parar. Ao contrário, somos ensinados a não parar nunca, a acelerar, a fazer tudo cada vez mais rápido e a nos empenhar em várias atividades simultaneamente. Fazer, fazer, fazer, produzir, mostrar resultados. Somos treinados a isso desde cedo, como hamster correndo em suas rodinhas, correndo atrás de algo que não se sabe o quê, mas só sabe que tem que se manter correndo, porque se parar a roda te empurra e te arrasta, te vira de ponta cabeça e te chacoalha. Se parar, você fica tonto, atordoado, sem saber nem quem você é (se é que soube em algum momento). Eu senti isso naquela meditação caminhando… Estamos acostumados apenas a nos concentrar no caminho que fazemos rumo a um destino final e o quão rápido queremos – e devemos – chegar. Não fomos acostumados a nos concentrar em quem somos nós enquanto caminhamos e como damos cada passo da caminhada, sentindo cada sensação, emoção e sentimento de cada passo. Não nos permitimos apreciar cada movimento e cada tempo empregado em cada etapa da caminhada. O interesse de nossa cultura é sempre onde você chegou ou onde você precisa chegar. Com isso, a ansiedade de chegar a algum lugar determinado (determinado por quem, de verdade?) nos incita a apressar o passo, a correr, a buscar atalhos, caminhos mais curtos, mais ágeis. 

Enfim percebi que eu estava no lugar certo e na hora certa, pois sempre é momento de ajustar os passos da caminhada. Tomei consciência da minha pressa. E nem sei de quê ou para quê. Ela apenas fazia parte de mim e eu nem me dava conta. E esse foi o início de uma caminhada maravilhosa de muita construção e desconstrução.

E, quem diria que a meditação que mais me desafiou se tornaria, mais tarde, a minha preferida?! A vida é mesmo cheia de surpresas! E quanto aprendi nessa caminhada…

O valor da sangha

Aprendi o valor da sangha – comunidade de prática -, essencial como apoio nessa jornada em comum. O grupo de prática oferece troca de experiência, suporte, pertencimento, motivação, acolhimento e muito crescimento. A sangha, no entanto, não precisa ser formalmente instituída, ela pode ser representada informalmente por aqueles amigos de interesse comum que se fortalecem mutuamente e, assim, solidificam sua prática, seus propósitos… Sempre me refugio na sangha e sempre mantive minhas sanghas.

Impermanência

Nada é permanente e por isso o apego traz tanta dor e sofrimento. Pode parecer paradoxal, mas a compreensão de que tudo é impermanente nos proporciona a verdadeira confiança, paz e alegria. Tudo passa. Tudo é fluxo. Tudo se transforma.

Temos todas as potencialidades dentro de nós

Aprendi que temos todas as sementes dentro de nós – tanto as construtivas quanto as nocivas – e que fazemos crescer aquelas que regamos (através da atenção e da repetição, por exemplo). Aprendi também que enxergamos o mundo através da lente que usamos e essas lentes são construídas ao longo de toda nossa vida, através de crenças e padrões culturais, sociais, institucionais, familiares etc que na maioria das vezes absorvemos e reproduzimos automaticamente. Isso me lembra muito o que a física quântica diz sobre as infinitas possibilidades.

O valor da consciência  

Aprendi que, por mais sujas e embaçadas estejam as lentes que usamos, somos capazes de limpá-las através da consciência. A consciência é a força capaz de cessar a reprodução de padrões e, portanto, de nos reconectar com nossa verdadeira essência. Toda repetição de padrão é fruto de falta de consciência, é uma reação, um impulso que se torna maior do que nós e que nos aprisiona. Quando nos tornamos conscientes, somos capazes que agir ao invés de reagir, somos livres e capazes de escolher nossas ações ao invés de apenas repetir e reproduzir um padrão criado inconscientemente. Estar consciente é estar inteiramente presente, em plena atenção. Consciência é presença.

O valor do silêncio

Aprendi que o silêncio é uma força poderosa que abre caminhos para a consciência e a reconexão. Isso é muito mais do que o silêncio da voz. É o silêncio da mente. Quando o ruído da mente cessa, tudo se acalma e a voz da alma ganha força. Quando estamos atentos e ouvimos, enxergamos e sentimos mais dentro do que fora, a consciência se expande e chegamos cada vez mais perto da nossa verdade.

 

Bom, são apenas algumas lições desse tempo maravilhoso que passei frequentando a sangha (aproximadamente 2 anos) e que procuro levar para a minha vida sempre. Mais do que ensinamentos, são práticas. Isso quer dizer que requer treinamento, esforço e exercício diário e constante. Não acho que sejam exercícios fáceis, ainda mais levando em consideração todo nosso entorno social e cultural, mas sinto que vale muito cada tentativa, cada esforço nesse sentido. E, como toda prática, acredito que quanto mais prática, mais fácil é viver os ensinamentos.

Sou realmente muito grata à sangha Viver Consciente (www.viverconsciente.com) e à existência dessa filosofia tão lúcida.

Prática “Comendo em Plena Atenção”. Eu (de azul), minha amiga Rachel (de branco) e parte de nossa sangha em prática de fim de ano.

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