Postado por

03
jun
2019

Sempre quis entender a vida, as pessoas, os processos existenciais e tudo mais. Quando era adolescente, gostava muito de colocar no papel meus pensamentos, sentimentos e desabafos, assim como colecionar versos e poemas sobre a vida e o amor… (canceriana romântica – rsrs). Uma das frases que me marcou foi:

“Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento” (Clarisse Lispector).

Para mim, essa mensagem é de uma verdade tão clara e absoluta que até assusta. É um “tapa na cara” em pensadores e “viajantes” compulsivos como eu. Poderia ser um mantra…! 

Não quer dizer que querer entender, pensar, refletir, questionar, imaginar seja errado ou ruim, mas é necessário achar um equilíbrio, o caminho do meio. Se não for assim, corre-se o risco de nos restringirmos apenas ao plano mental – e ele é extremamente sedutor. Esse mundo pode proporcionar profundas buscas de conhecimento e compreensão, mas também grandes fantasias, expectativas e projeções e até mesmo prisões paralisantes causadas pelo medo e ansiedade na terra do “e se“. Ao se entregar a esse mundo extremamente racional ou imaginativo, sem freios e sem moderação, um destino é certo: a frustração.   

Não se pode entender tudo. Há coisas que não podem ser compreendidas pelo intelecto. Há coisas que só o coração pode entender.

Querer entender tudo, no fundo, é uma forma de buscar manter o controle de tudo. Há coisas que não podem ser controladas. Há coisas que só entendemos quando largamos mão do controle e entregamos, e confiamos. O que precisamos entender é que não estamos no controle de tudo.

Grande parte da vida acontece sob a direção de uma Força Maior. Isso só podemos sentir, acreditar e confiar. A mente nunca vai alcançar isso.

Quanto mais estamos apegados em entender a vida e suas nuances, mais confusos ficamos. A vida não é matemática. 

Quanto mais teorizamos e racionalizamos a vida, menos vivemos. A vida é uma experiência prática. A verdadeira elaboração sobre a vida acontece vivendo, sentindo, experienciando… Esse é o verdadeiro conhecimento. É  conhecimento vivo. 

“É bom lembrar que o conhecimento é vivo apenas quando a pessoa conhece, quando se trata de sua experiência direta e imediata. Porém, quando fica sabendo a partir dos outros, trata-se apenas de memória, não de conhecimento. A memória é morta.” (Osho – “O livro do Ego”)

Quanto mais entregue aos processos mentais, mais nos projetamos a um tempo que não é o agora. Quanto mais mente, mais passado ou futuro e menos presente, menos presença, menos… vida vivida!

Quanto mais projeções, mais expectativas, mais fantasia, mais idealização e menos realidade. A vida real não é a vida ideal que projetamos, com variáveis identificadas e controladas. A vida real acontece agora, sem ensaios. E, quanto mais ensaios mentais, mais fechados e menos preparados estamos para os imprevistos e improvisos da vida ao vivo.

Entender é importante, mas não podemos nos condicionar a isso. O entendimento deve nos ajudar a viver e não nos alienar da própria vida e da aceitação dos mistérios inerentes a ela. Osho diz que o homem sábio é aquele que, apesar de reunir conhecimento, tem consciência de que trata-se de algo coletado, emprestado, morto, que não parte de sua própria experiência existencial e, portanto, tem a sabedoria de descartá-lo. Ele diz que a partir deste descarte surge a ignorância do homem sábio e não do ignorante que nunca alcançou nenhum conhecimento.

“Apenas obter cada vez mais conhecimento não é de muita ajuda. Não só não é de muita ajuda como também pode se tornar uma barreira.

(…) Somente um homem sábio pode dizer: “Eu não sei”. Porém, ao dizer “Eu não sei” ele não tem anseio por conhecimento, ele simplesmente constata um fato. E quando consegue dizer de coração aberto “Eu não sei”, ele se tornou capaz de obter conhecimento.

Essa ignorância é linda, mas é obtida através do conhecimento. É a pobreza alcançada através da riqueza.” (Osho – “O livro do Ego”)

Compreender que não precisamos entender tudo é a sabedoria de simplesmente aceitar não só os mistérios da vida, mas também sua impermanência. Tudo muda, a vida muda, a gente muda… E estar aberto a essa impermanência e eternas transformações é estar aberto ao verdadeiro conhecimento, o conhecimento vivido com todos os nossos sentidos, com toda nossa presença, com todo nosso Ser. Esse, de fato, transforma.

Continuo curiosa, querendo saber e entender – e muitas vezes me perdendo na confusão da teia mental -,  mas hoje sei que meu coração sabe muito mais sobre a vida do que meu intelecto. E é a ele – o coração – que recorro quando quero acessar os conhecimentos mais essenciais.

Hoje não necessito de tantas respostas e não me cobro tantas coerências. Não saber faz parte da vida e da delícia que é contemplar esse mistério. Acho lindo…!

 

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